nebula : exposição-expedição [2022]
Indagar o firmamento, guiar-se por ele, estender o planeta até juntar céu e água no horizonte visível. Ir além da fronteira estelar do imaginável. Alcançar a criação do distante no aqui. Embaralhar criaturas marinhas e corpos celestes. Contornar o espaço-tempo. Submergir e emergir no encantamento de um cosmo a ser tocado, conhecido e tornado íntimo. Ousadias e façanhas da imaginação transformada em arte e ciência, por nós, homens e mulheres, poeirinhas das estrelas, ampliadas e modeladas por aspirações visionárias a adentrar o espaço brumoso do universo.
Em nebula, Sandra Kaffka, artista e pesquisadora, nos apresenta a seres habitantes do profundo psíquico e mnemônico, não apenas da artista, mas coletivo e ancestralmente compartilhado, a sonhar criaturas abissais e estelares, sentidas como familiares entre si pela distância com que as vislumbramos a pulsar e as buscamos onde quer que estejam entre névoas e anseios. A exposição, na procura desses organismos, torna-se, então, uma expedição, em que o corpo da artista, de diferentes maneiras – os dedos que desenham, os olhos que perscrutam, os braços que esculpem –, atua como se fosse composto por diversos integrantes de uma nau a desempenhar cada um sua função. A artista cria um tempo-espaço-laçada, ativado no aqui e agora, a fim de reter quimeras, em desenhos, fotos e objetos.
O encontro material e concreto, com esse outro tão distante, proporcionado pelo trabalho artístico, convoca à sociabilidade, por meio da interação com diferentes sistemas ou organismos, com o rudimentar e o tecnológico, o estático e o móvel, com o que não sabemos e o que supomos conhecer, e a desvelar sentidos e conexões nas trocas entre pessoas e objetos-seres. Desperta mundos e modos imaginados, realizando-os no instante em que com eles nos conectamos, a acentuar, também, a importância do lugar em que ocorre, no caso, o Planetário do Parque do Carmo, entendendo planetário como local por excelência do cruzamento entre arte, tecnologia, ciência e universo cósmico; e parque como espaço telúrico de sociabilidade entre pessoas e natureza, atestando, assim, a capacidade da arte de redefinir e transpor determinações espaço-temporais, fazendo vir a nós tempos e espaços míticos ou concebidos.
A exposição-expedição desdobra-se em três linhas de pesquisa plástica e material, o desenho, a fotografia e os objetos-bicho, formas e técnicas que cooperam mutuamente na construção da relação arte-público-espaço a fim de propiciar a experiência da arte como meio e modo de conhecimento e interação, instigando, ainda, a reflexão sobre ambivalências dos usos de tecnologias, promotoras, ao mesmo tempo, de individualismos e coletividades, bem como de comunicações, não apenas entre indivíduos e objetos, mas entre significados, invocando nossa atenção e cuidado para tudo aquilo com que coexistimos.
Os desenhos capturam formas e movimento dos seres fulgurantes que emergem do fundo escuro e oceânico do papel, individualizados em cada linha ou ponto de sua manifestação, figuras que singram, marcam e permanecem em nossas retinas.
As fotografias fundem tele e microscópio, apontam para o infinito, para uma trajetória que não diferencia dentro e fora, distante e próximo, ao entreverem a existência de corpos cósmicos em cada partícula observada e revelada.
Os objetos-bicho, por acréscimo e concreção de materiais, concedem a vivência onírica de se roçar, tocar de leve, e se comunicar francamente com o sideral e o abissal, com o fantástico, com o ser cósmico, aqui mesmo no ambiente terreno, no espaço-parque, como se criaturas espantosas se deslocassem de espaço-tempo infinito e sonial para uma visita à Terra.
Algumas vezes vistas como atividades antagônicas, por se supor que uma privilegiaria a fantasia enquanto a outra, a realidade, arte e ciência, no entanto, são trabalhos humanos indissociáveis em direção à criação e ao conhecimento, nutrem-se da imaginação, do desvendamento e da diligência. nebula, como exposição-expedição em busca do contato com criaturas astrais, amalgama o telúrico, o pelágico e o sideral, e proporciona a experiência de imergir nesse entre mundos, de nos familiarizarmos com o aguardado, mas inesperado, imaginário e, então, tê-lo e a suas criaturas como companhias na viagem entre as estrelas no planetário.
Adrienne de Oliveira Firmo
São Paulo, abril de 2022
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a artista na gravura

Teus signos respiram.

“Teus signos respiram. Certamente porque são coisas. Mas, em devida proporção com o corpo. Não sei se humano. Demasiado, sem dúvida. Parecem, em algum momento, ter aquela alma que P. Klee pôs em seus desenhos, desejos, enchendo-os de vida como um Deus. São assim as tuas criaturas, as poucas que vi, a um só tempo presas e libertas no papel celeste de Rodapé. Formas que resolvem por algum motivo oculto desafiar a lógica da geometria inerte, pois só são estáticas na aparência. Quem olhar com os olhos descansados (aqueles guardados nas dobras das pálpebras, recém-chegados do escuro), verá que uma delas inclinou-se de repente, no instante em que piscamos. Nada mais sutil. Após “fingir-se de morta”, ela parece ter dobrado “um braço” ou “uma perna” num gesto furtivo, nesse esconde-esconde com os olhos. E se você olhar de novo, ela está flexionada exatamente como faz um tronco que se inclina para o amor. Estas xilos todas sem título (para quê?) nomeiam-se simplesmente em seu “estar-aí”. Sua condição de existência não as reduz a um código de abstração, a um léxico bem cuidado em suas imagens e ruídos, mas exibe seres donos da própria pele que se revelam filhos da matéria originária e orgânica, a “xilo”, que antes de tudo é madeira, em essência, e nem por isso se ruboriza. Chegamos ao âmago da coisa (e no entanto, não saímos da superfície, seu reino). Teus objetos brincam de ser, no papel, a madeira que, no fundo, realmente são e não são. Daí seus derivados, insinuações multifárias da espécie: lascas, fragmentos, recortes. Isolados, dialogam com o vazio. Reunidos, se solidarizam em rebeldia elegante numa causa que só eles conhecem. Só se sabe que um de seus nomes é Arte. De qualquer modo não é fácil pôr emoção num punhado de lascas”.  Contador Borges, poeta. São Paulo, 2004.
Corpos Cravados, exibida na Universidad Complutense – Casa do Brasil, Madrid/Espanha, [exibida também na Galeria Gravura Brasileira, São Paulo/SP].
“Seus grandes maciços negros revelam seu amor pela matéria. Os brancos abrem espaços de organização, desenham luzes necessárias nessas zonas de superfície, mostrando passagens interiores a transportar o espírito. Essas tramas são incorporadas a negros impositivos, que dão às formas uma forte presença sobre o papel, tanto que às vezes parecem dele se soltar num voo absoluto, sugerindo pesadas esculturas no espaço. Suas imagens, esculpidas pela imaginação, compõem uma música espacial muito própria, semelham naus, rochedos, pipas ou paisagens abismais”.
Vera D'Horta, São Paulo, 2003.


Traços e Formas na Gravura Contemporânea Brasileira, mostra paralela a VIII Bienal de la Habana/Cuba.
"Sandra Kaffka cria formas construtivistas que se assemelham a seres de postura imponente”...“Permanece fiel à xilogravura, o veículo mais remoto de transposição de imagens. A superfície orgânica da madeira empregada cede à sua obra textura e peculiaridades como rastro de sua existência anterior. A artista resgata esta trama de nervuras que se tornam veias incorporadas ao volume das formas por ela criadas. Estas se apresentam em partes densas e fechadas em si como elementos abstrato-concretos, formando um corpo negro acompanhado de traços surtis que complementam e acentuam o seu todo. Como a criar um desequilíbrio necessário, surgem ainda fendas e cortes sem seu contorno como em um processo de desmembramento de sua massa. Este é o ponto de partida para obras mais recentes em que as formas passam visivelmente por um processo de alongamento. O resultado remete a uma paisagem surrealista habitada por esparsas formas solitárias que se revezam no universo do claro e escuro trazendo leveza e descontração à composição”. Tereza de Arruda, Berlim, 2001.

Xilogravuras. Galeria SESC Av. Paulista, São Paulo/SP
“O corte que Sandra Kaffka produz nestas madeiras solicita uma dureza que as ultrapassa. Anuncia um estado futuro desta matéria fibrosa que, se mais e mais seca, mais precisa se apresenta à lâmina. Nas impressões, uma luz rasante passa a iluminar a madeira em estado pétreo-futuro. E é a estampa vista que nos comunica este fenômeno de solicitação à matéria, essa enunciação de enervações fósseis. A gravadora, com um pouco de marcenaria, um pouco de cantaria, vai retirando desta relação figuras meio enrijecidas, já ali anunciadas. A matriz talhada e a estampa iluminada quanto mais endividadas, mais enriquecidas”. Cláudio Mubarac, São Paulo, 1999.
 7 artistas contemporâneos. Itaú Galerias São Paulo/SP e Campinas/SP
“As xilos de Sandra Kaffka mesclam as fibras da madeira aos planos pretos opacos, pesados, prenunciadores de volumes, que se empilham como um arquitetura tosca. Entre eles, pelas frestas filiformes, insinua-se a luz. A tensão é tão intensa que não se sabe se a luz vaza através do que sobra, é réstia, ou, porque possui o poder de uma solda, está a fender o edifício”. Agnaldo Aricê Caldas de Farias, São Paulo/SP, jul.1993.
nebula : exhibition-expedition [2022]
Investigate the firmament, be guided by it, extend the planet until it joins sky and water on the visible horizon. Go beyond the stellar frontier of the imaginable. Achieve the creation of the far in the here. Shuffle sea creatures and celestial bodies. Contour space-time. Submerge and emerge in the enchantment of a cosmos to be touched, known and made intimate. Darings and feats of imagination transformed into art and science, by us, men and women, dust from the stars, amplified and shaped by visionary aspirations to enter the misty space of the universe. In nebula, Sandra Kaffka, artist and researcher, introduces us to beings inhabiting the deep psychic and mnemonic, not only of the artist, but collectively and ancestrally shared, dreaming of abyssal and stellar creatures, felt as familiar to each other by the distance with which we glimpse them. pulsating and we look for them wherever they are between mists and yearnings. The exhibition, in the search for these organisms, then becomes an expedition, in which the artist’s body, in different ways – the fingers that draw, the eyes that scrutinize, the arms that sculpt –, acts as if it were composed of several members of a ship to perform each one of their functions. The artist creates a time-space-loop, activated in the here and now, in order to retain chimeras, in drawings, photos and objects.
The material and concrete encounter, with this other so distant, provided by the artistic work, calls for sociability, through the interaction with different systems or organisms, with the rudimentary and the technological, the static and the mobile, with what we do not know and what we suppose to know, and to unveil meanings and connections in the exchanges between people and objects-beings. It awakens imagined worlds and ways, realizing them the moment we connect with them, also emphasizing the importance of the place where it takes place, in this case, the Planetarium of Parque do Carmo, understanding the planetarium as the place par excellence of the intersection between art, technology, science and the cosmic universe; and park as a telluric space of sociability between people and nature, thus attesting to the ability of art to redefine and transpose spatio-temporal determinations, bringing to us mythical or conceived times and spaces. The exhibition-expedition unfolds in three lines of plastic and material research, drawing, photography and animal-objects, forms and techniques that cooperate mutually in the construction of the art-public-space relationship in order to provide the experience of art. as a means and mode of knowledge and interaction, also instigating reflection on the ambivalence of the uses of technologies, promoting, at the same time, individualisms and collectivities, as well as communications, not only between individuals and objects, but between meanings, invoking our attention and care for everything with which we coexist. The drawings capture shapes and movement of the glowing beings that emerge from the dark and oceanic background of the paper, individualized in each line or point of their manifestation, figures that travel, mark and remain in our retinas. The photographs merge tele and microscope, point to infinity, to a trajectory that does not differentiate inside and outside, distant and close, as they glimpse the existence of cosmic bodies in each observed and revealed particle. The animal-objects, through the addition and concretion of materials, grant the dreamlike experience of brushing, touching lightly, and communicating frankly with the sidereal and the abyssal, with the fantastic, with the cosmic being, right here in the earthly environment, in the space-park, as if amazing creatures were moving from infinite and sonial space-time for a visit to Earth. Sometimes seen as antagonistic activities, as it is assumed that one would privilege fantasy while the other, reality, art and science, however, are inseparable human works towards creation and knowledge, nourished by imagination, unveiling and of diligence. nebula, as an exhibition-expedition in search of contact with astral creatures, amalgamates the telluric, the pelagic and the sidereal, and provides the experience of immersing ourselves in this in-between worlds, of getting acquainted with the awaited, but unexpected, imaginary and, then, having him and his creatures as companions on the journey between the stars in the planetarium.​​​​​​​
Adrienne de Oliveira Firmo
Sao Paulo, April 2022
the artist in the engraving
Your signs breathe.
“Your signs breathe. Certainly because they are things. But in due proportion to the body. I don't know if human. Too much, no doubt. They seem, at some point, to have that soul that P. Klee put in their drawings, desires, filling them with life like a God. So are your creatures, the few I have seen, both trapped and freed in the heavenly footnote paper. Shapes that resolve for some ulterior motive defy the logic of inert geometry, as they are only static in appearance. Anyone who looks with rested eyes (those kept in the folds of the eyelids, newly arrived from the dark), will see that one of them suddenly tilted, just as we blinked. Nothing more subtle. After “playing dead”, she seems to have bent “an arm” or “a leg” in a furtive gesture, in this hide-and-seek with her eyes. And if you look again, she's flexed just like a torso that leans toward love. All these untitled woodcuts (why?) are simply named in their “being-there”. Their condition of existence does not reduce them to a code of abstraction, to a well-kept lexicon in their images and noises, but displays beings who own their own skin who reveal themselves to be children of the original and organic matter, the “xylo”, which, above all, it is wood, in essence, and it does not blush for that reason. We got to the heart of it (and yet, we didn't leave the surface, its realm). Your objects play at being, on paper, the wood that, deep down, really are and are not. Hence its derivatives, multifarious insinuations of the species: splinters, fragments, clippings. Isolated, they dialogue with the void. Reunited, they show solidarity in elegant rebellion in a cause that only they know. It is only known that one of its names is Art. In any case, it is not easy to put emotion into a handful of splinters”.
Contador Borges, poet. Sao Paulo, 2004.

Corpos Cravados, exhibited at Universidad Complutense – Casa do Brasil, Madrid/Spain, [also exhibited at Galeria Gravura Brasileira, São Paulo/SP].
“Its great black massifs reveal his love for matter. The whites open up spaces of organization, draw necessary lights in these surface areas, showing interior passages transporting the spirit. These wefts are incorporated into imposing blacks, which give the forms a strong presence on the paper, so much so that sometimes they seem to be released in absolute flight, suggesting heavy sculptures in space. His images, sculpted by imagination, compose a space music of their own, resembling ships, rocks, kites or abysmal landscapes”.
Vera D'Horta, São Paulo, 2003.
Traces and Forms in Contemporary Brazilian Engraving, shows parallel to the VIII Bienal de la Habana/Cuba.
“Sandra Kaffka creates constructivist forms that resemble beings of imposing posture”...“She remains faithful to the woodcut, the most remote vehicle for transposing images. The organic surface of the wood used gives her work texture and peculiarities as a trace of her previous existence. The artist rescues this web of ribs that become veins incorporated into the volume of the shapes created by her. These are presented in dense and closed parts in themselves as abstract-concrete elements, forming a black body accompanied by subtle traits that complement and accentuate its whole. As if to create a necessary imbalance, cracks and cuts still appear without their contours, as in a process of dismemberment of their mass. This is the starting point for more recent works in which the forms visibly undergo a process of The result refers to a surrealist landscape inhabited by scattered solitary forms that take turns in the universe of light and dark, bringing lightness and relaxation to composition”. Teresa de Arruda, Berlin, 2001.
Woodcuts. Gallery SESC Av. Paulista, Sao Paulo/SP
“The cut that Sandra Kaffka produces in these woods requires a hardness that surpasses them. It heralds a future state of this fibrous matter which, if it drier and drier, the more precise it presents itself to the blade. In the prints, a grazing light starts to illuminate the wood in a stone-future state. And it is the print seen that communicates this phenomenon of request to matter, this enunciation of fossil enervations. The record company, with a little carpentry, a little stonework, is removing from this relationship somewhat stiffened figures, already announced there. The carved matrix and the illuminated print, the more indebted, the more enriched”. Claudio Mubarac, São Paulo, 1999.
7 contemporary artists. Itaú Galerias São Paulo/SP and Campinas/SP
“Sandra Kaffka's woodcuts mix wood fibers with opaque, heavy black planes, foreshadowing volumes, which are stacked like a rough architecture. Between them, through the filiform cracks, the light insinuates itself. The tension is so intense that it is not known whether the light leaks through what is left, is a ray, or, because it has the power of a solder, is splitting the building”. Agnaldo Aricê Caldas de Farias, São Paulo/SP, Jul.1993.
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